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Caro leitor, escrevo-lhe hoje esta humilde carta, endereçada também ao meu inconsciente.
Percebendo minhas cicatrizes, vejo que pouca coisa está mudada. Nada se aprofunda assim como também nada se cura. Eu, que já me considerava um verdadeiro... Um verdadeiro o quê, mesmo? Deixa estar. Minha máquina de bombear sangue está cansada, tão cansada que poderia parar a qualquer momento, não tem retorno, não tem pagamento. Trabalha de graça e quer greve, uma greve faminta, violenta e estarrecedora. Enquanto observo a pornografia do cotidiano, vou fazendo o que posso para impedir uma rebelião. E assim os dias se emendam e cada retalho torna-se um pouco mais digno e um pouco mais insuportável. Por hora é isso, meu amigo. Despedidas me doem, então fique aqui. Não fuja do meu cérebro mais uma vez, fique aqui bem perto, que nunca me foi tão pungente a solidão de si mesmo.