67

abre aspas
abre amores
fecha nada

sou uma maldita mistura
de Bentinho com Joel Barish.

66

declaração

você é o pó que fica sobre os meus lábios
depois de horas de escavação
exumação da biblioteca-túmulo.
(você é a prova de que há vida em tudo que é morto
e de que o movimento não escapa nem ao mais morto deus.)

65

mil novecentos e.

les beat
generation
beat les

***

a ilusão temporária e eterna de que um narcótico faz bem.
será que existe morte após a vida?

***

- olha, aquela mulher vive sorrindo.
- pois é, deve ter enfrentado coisas terríveis na vida.

64

você vai embora quando a banda ainda estava tocando. e fuma aquele último cigarro, aquele que faz a garganta doer - e mesmo assim vai até o fim. dá boa-noite ao porteiro e recebe uma resposta cansada, boa noite, uma boa serena ainda noite de trabalho. o único ruído é o da câmera giratória que não tem nenhum delito a registrar nessa hora de delitos. o único sinal de natureza é a vibração emitida por um morcego que não está muito longe de você. você entra em casa esperando o cachorro latir, mas também ele está muito cansado para registrar a sua entrada no recinto. o zumbido nos ouvidos te deixa consciente de que você ainda tem ouvidos. e no momento nada mais é necessário.

63

depois de anos, de universos criados em camadas de poeira, eu tiro o embrulho daquele livro que você me deu. nunca o li, pois eram quatro tomos e eu só tinha o primeiro e o terceiro, ambos presentes de natal de você para mim. o tempo de ler o livro já foi, você vai dizer. mas e se eu  puder recuperar minha cabeça de então? eu sei que muitas já me foram arrancadas desde aquele momento, mas se elas continuam crescendo, as que morrem devem voltar. o seu tempo já passou, o livro me dirá. que posso eu contra um livro, meu deus? a sua não-leitura irá me infernizar até o fim de meus dias. e você já sabe como isso vai acabar: em leitura-estupro.